Os fatos
envolvendo a ocupação do plenário da Câmara Municipal de Porto Alegre por
integrantes do “Bloco de Luta pelo Transporte 100% Público” remetem a diversas
reflexões, notadamente quanto à capacidade de certos representantes políticos
municipais para o equacionamento de situações como a ora vivida pelo parlamento
da capital gaúcha.
A coisa começou na quarta-feira, dia 10/07
quando, ao final da sessão plenária, integrantes do movimento mencionado
ocuparam o plenário da Câmara pleiteando a implantação do passe livre para
estudantes, idosos e desempregados, bem como a transparência dos
procedimentos que levam à fixação das tarifas do transporte coletivo em Porto
Alegre.
A partir deste fato, diversas rodadas de
negociação passaram a ser desenvolvidas pela presidência da Câmara e
representantes de algumas bancadas de partidos com representação no Legislativo
da Capital.
Na madrugada de sábado (13/07),
encaminhava-se um acordo: de um lado, os vereadores se comprometiam a
apresentar um projeto dispondo sobre a transparência dos procedimentos de
fixação das tarifas, bem como encaminhar, ao Poder Executivo, a proposta
relativa ao passe livre, uma vez que tal projeto envolve a mobilização de
recursos públicos; de outro lado, o presidente da Câmara, ver. Dr. Thiago
Duarte, do PDT (ele se autodenomina exatamente assim, apesar de não possuir o
título acadêmico referido, tendo apenas graduação como médico), pedia que a
desocupação do plenário ocorresse até o meio-dia de domingo (14/07).
Levada a questão à assembléia dos
manifestantes, a primeira parte foi aceita sem reparos; quanto à segunda,
pediram que a desocupação ocorresse na manhã de segunda-feira, uma vez que havia
seminários agendados para o domingo, visando discutir e elaborar os projetos a
serem encaminhados aos vereadores. O presidente da Câmara não aceitou a
desocupação na segunda-feira e partiu, ainda no sábado, para a propositura de
uma ação de reintegração de posse do plenário Otávio Rocha, ocupado pelos
manifestantes.
Decidindo liminarmente a questão, o juiz
plantonista do Foro Central de Porto Alegre deferiu a reintegração, mas
determinando o seu cumprimento somente em dias úteis, das 6 às 20h, o que
remetia para a manhã de segunda-feira. Na verdade, a decisão do juiz foi
salomônica, pois preservava a autoridade do presidente da Câmara, deferindo o
pedido, mas também dava tempo para a conciliação dos interesses, uma vez que os
manifestantes se comprometiam a desocupar o espaço na manhã do mesmo dia, tudo de forma a evitar um conflito que se prenunciava de grandes proporções.
A partir daí, um festival de decisões
estapafúrdias passou a se descortinar por parte daqueles que – destaque para o
presidente da Câmara – tinham nas mãos todos os instrumentos para uma solução
pacífica para a contenda, com exceção das bancadas do PT e do PSOL, que buscavam uma solução negociada para o impasse.
Contrariado por não ter o pedido de
desocupação ainda no domingo atendido, o presidente da Câmara, “Dr.” Thiago
Duarte, se recusou a receber os projetos dos manifestantes, inaugurando um
conflito permeado por uma sucessão de atos patéticos que apenas depuseram
contra a capacidade das forças políticas conservadoras que dominam a Câmara para a solução de conflitos como este, nascido das intensas mobilizações da sociedade
brasileira ocorridas em junho.
Os manifestantes, a seu turno, decidiram
não desocupar o plenário da Câmara enquanto não tivessem as suas propostas
recebidas pelo presidente da mesma.
O “Doutor” resolveu, então, transferir o
ônus da sua incapacidade política e de seus aliados, de resto integrantes da
base do prefeito José Fortunati (PDT), para o colo do governador Tarso Genro
(PT), alegando que o governador se recusava a permitir que a Brigada Militar do
Estado atuasse para expulsar, em cumprimento a uma ordem judicial para a qual
não tinha ainda sido notificada, os ocupantes do plenário da Câmara. Chegou a ameaçar – pasmem – em pedir o impeachment do governador por isso.
Mas isto ainda foi pouco: aconselhado por
alguns dos mais ineptos, reacionários e mal-intencionados integrantes dos
partidos que o apóiam, o presidente fechou a Câmara e foi esconder-se na Assembléia
Legislativa do Estado, presidida pelo deputado Pedro Westphalen (PP), instalando lá um “gabinete de crise”, de onde
passou a disseminar idiotices como a de que havia sido impedido pelos
manifestantes de entrar na Câmara, e que o governador estava perpetrando um
“golpe político” ao não permitir que a Brigada Militar procedesse à retirada
dos manifestantes do plenário da Câmara.
No entanto, uma pedra (uma pedra não, um
Everest) apareceu no caminho: decidindo sobre um agravo de instrumento
interposto pelo Diretório Central dos Estudantes da PUCRS, a juíza da 1ª Vara
da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre, em sede de retratação
parcial, suspendeu a liminar concedida pelo juiz plantonista no sábado, observando
que “considerando o certificado pelos
Oficiais de Justiça que compareceram à Câmara de Vereadores e verificaram a
presença de mais de 400 pessoas, inclusive, crianças, em uma ocupação pacífica
e organizada. [e que] Também, não há indícios de
depredação do patrimônio público pelos manifestantes.[e]
Dessa sorte, entendo que a medida drástica de retirada forçada desses cidadãos
não é o melhor caminho, neste momento”, e marcando uma
audiência de conciliação para o dia 17/07, quarta-feira, às 15h.
Pergunta instantânea: não teria sido mais
adequado se o “Doutor” presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre tivesse
recebido, na primeira hora da segunda-feira, os projetos elaborados pelos
manifestantes no domingo, ao invés de mergulhar a instituição numa sucessão de
medidas estúpidas e oportunistas como se refugiar no gabinete do presidente da
Assembléia Legislativa e tentar transferir a responsabilidade pela sua
incapacidade política para o governador sob a alegação de que este não mandou a
polícia reprimir os manifestantes?
A resposta é sim, até mesmo porque, se houver um rasgo de sensatez a iluminar o presidente da Câmara, é o
que ocorrerá na audiência de conciliação da quarta-feira 17/07. Mas, ao contrário, e
vislumbrando, de forma oportunista, tirar proveito político do episódio, o
“Doutor”, na verdade, atirou no próprio pé, seja pela incapacidade de avaliar
adequadamente a questão, seja pela influência recebida de cérebros cuja
inteligência somada não superaria a de uma galinha. (Aliás, a legislatura que se
inicia já dá sinais de ser a mais medíocre da história recente da Câmara
Municipal de Porto Alegre – mas isto já é outra história).