segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A PRIVATIZAÇÃO DA ÁGUA: O MEDIEVO CHEGA AO RS


foto: Gabariel Marques - Fetrafi/RS

 O Rio Grande do Sul é conhecido no cenário nacional pela decantada bipolarização que permeia a sua vida quotidiana: colorados e gremistas, chimangos e maragatos, esquerda e direita, e outras mais.
     Ao longo da história, este “grenalismo” produziu fatos marcantes na vida dos gaúchos, tais como a Revolução Farroupilha, a Revolução Federalista e o Movimento da Legalidade (que neste mês de agosto completa 50 anos), além de, é claro, memoráveis batalhas entre o Internacional e o Grêmio.
     No campo eleitoral, considerando apenas as eleições ocorridas a partir da década de 90 alternaram-se, no comando do governo do Estado, forças políticas fortemente antagônicas: Alceu Collares (PDT), Antônio Britto (PMDB), Olívio Dutra, (PT), Germano Rrigotto (PMDB), Yeda Crusius (PSDB) e Tarso Genro (PT).
     Analisando-se superficialmente os eventos e resultados eleitorais acima, poder-se-ia dizer que o modo de viver dos gaúchos se afigura algo esquizofrênico, diante das sucessivas opções por forças políticas frontalmente contraditórias.
     Em réplica à provocação, alguém poderia afirmar que esta é uma característica salutar da população do autoproclamado “Estado mais politizado do Brasil”, eis que demonstraria um certo desapego a preconceitos.
    Na verdade, nem uma coisa, nem outra. O que ocorre no RS é um embate entre duas formas de pensar que forjaram a alma gaúcha: a republicana, modernizadora, introdutora do conceito de Estado fundado na “coisa pública”, enraizada nos centros urbanos, herança da forte influência do pensamento positivista, e a cultura do latifúndio, privatista, atrasada, oriunda nas áreas de extrema concentração da propriedade da terra.
     Ocorre que estas duas culturas não se manifestam, no entanto, sempre de forma clara e apartada: não raramente misturam suas características, gerando subprodutos que embora contraditórios na aparência, são perfeitamente explicáveis quando analisados à luz dos elementos fundantes do modo de ser dos gaúchos.
     É exatamente o que se observa agora no RS quando, precisamente no momento em que a população gaúcha, após a experiência desastrada do governo Yeda, aposta na gestão republicana e modernizadora de Tarso Genro, emerge um movimento, capitaneado pelo prefeito (não por acaso) tucano de Uruguaiana, de privatização dos serviços de água e esgoto.
     Pois na mencionada cidade, localizada na fronteira com o Uruguai – região na qual a cultura do latifúndio predomina -, os serviços públicos em questão foram retirados da CORSAN, estatal estadual que, à exceção de algumas cidades maiores, possui contratos de concessão firmados com 324 municípios, atendendo a mais de 7 milhões de gaúchos e transferidos, sem qualquer indenização ou garantia de que a mesma ocorrerá, à empresa Foz do Brasil, subsidiária do grupo Odebrecht.
     A história da CORSAN é igual à de tantas outras estatais na mira da privatização: os governos neoliberais encolhem os investimentos, baixando a qualidade dos seus serviços e, diante das reclamações da população, a solução não é outra senão a de entregar os serviços à “competência da iniciativa privada”.
     A privatização a água, antigo desejo dos mascates do patrimônio público, toma novos contornos diante da constatação de que o aumento da população mundial, em contraste com as previsões da redução da oferta de água no planeta, transformará o precioso líquido no “petróleo do futuro”.
     Esquecem os profetas do mercado que a água não pode ser tratada como simples mercadoria, pois dela dependem a vida e a saúde de bilhões de pessoas no mundo todo. 
     Em artigo reproduzido pelo PTSUL, o escritor Eduardo Galeano, comentando o caso de Cochabamba, na Bolívia, na qual a população se levantou e promoveu, em 2002, a “desprivatização” da água, cita o diretor-geral da UNESCO, Frederico Mayor, para o qual “esta fonte rara, essencial para a vida, deve ser considerada como um tesouro natural que faz parte da herança comum da humanidade”, registrando ainda o escritor uruguaio que o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU declarou, em Genebra, em 2002, o acesso à água como direito humano indispensável e que a água é um bem público, social e cultural; ou seja, um produto fundamental para a vida e a saúde e não um produto básico de caráter econômico (leia a íntegra do artigo aqui).
     Até mesmo em Paris os serviços de água foram remunicipalizados em 2010, depois da privatização comandada por Jacques Chirac em 1985, cujo resultado foi a apropriação dos lucros pelos controladores privados, em detrimento dos investimentos.
     Aliás, todos sabem como funcionam as privatizações: no início tudo é festa, milhões de promessas são feitas, os serviços vão melhorar, os preços vão baixar, e todos serão felizes. Depois vem a dura realidade: baixo índice de investimentos, precarização dos serviços e preços que vão ficando impagáveis, especialmente pelos mais pobres.
     Aqui, caso a moda pegue (além de Uruguaiana, mais três cidades com mais de 50 mil habitantes estão com processos de privatização em curso), poderá ainda haver o encarecimento do preço da água eis que, pelo sistema adotado pela CORSAN, os resultados da operação em cidades maiores compensam os déficits gerados em municípios menores, permitindo água mais barata para todos. Se o equilíbrio for quebrado, perdem todos.
   Mas no Rio Grande latifundiário e privatista, isto não conta: para alguns, aqui, o atrasado posa de moderno, mesmo na contramão da história e do interesse público. E, o que é pior, ainda se orgulham disto.

colaborou Paulo Müzzel

4 comentários:

Anônimo disse...

O que espanta não é esse povo idiota estar sempre disposto a apostar em qualquer aventura ou dar voto de confiança a qualquer picareta. Pois é justamente essa inconsistência política da população que explica isso. O fato de que tal conduta também é explicável à luz dos elementos fundante do “gauchismo”, não minimiza o fato de que quando se trata de política, os pretensiosos gaúchos “politizados” são verdadeiras toupeiras.
O que espanta mesmo, é uma estatal ser alijada de seu patrimônio – a rede instalada a custa do dinheiro do contribuinte – e vê-lo repassado a verdadeiras máfias, “sem qualquer indenização ou garantia de que a mesma ocorrerá”. Um escândalo inominável como esse acontece e não há nenhuma comoção em instância nenhuma. Algumas coisas mais, (além de seu povo imbecil), estão irremediavelmente perdidas nesse estado. A primeira delas, é a vergonha na cara.
Gaúcho só serve mesmo é pra ser gremista ou colorado. É só o que a nossa “bolinha” consegue alcançar.

Eugênio

PAULO disse...

sr não concordo com sua opinião, a situação não deve ser vista apenas por esse lado. Se o governo privatiza cabe a ele cuidar do serviço que terciarizou. Uma empresa privada gera impostos para o Estado e não é verdade que empresas privatizadas tenham baixos índices de investimentos, veja o caso da Vale e da CSN. Com todo respeito, a questão da privatização não pode ser vista como atraso se não estaremos observando a história de trás para frente. Vc pode até não concordar pois é uma questão de opinião, mas o atraso aparece quando os setores públicos dão números pífios de produtividade tornando-se sempre cabide de emprego. Desculpe por discordar, sempre acompanho seu blog e gosto de suas opiniões, mas o estatismo é o que há de mais atrasado no mundo.
Paulo Eduardo

PAULO EDUARDO disse...

Bom, não entendi a opinião do caro colega abaixo (desculpe minha ignorância). Entendi as palavras idiota e imbecil, e acho que as pessoas não são idiotas por terem comportamentos e opiniões diferentes das minhas...repito, quanto menos o estado intervir na economia melhor...houve momentos que foram importantes as intervenções do Estado...principalmente quando a inciativa prinada estavaquebrada, mas agora não é... na minha opinião...talvez não tenha entendido o texto abaixo, mas com certeza não considero pessoas com opinião diferente da minha idiotas!!

Professor Tim disse...

Blog do Professor Tim
"A privatização da água: medievo chega ao RS é um dos melhores textos já publicados sobre a dialética dos contrários no Rio Grande do Sul.
Valeu, Tchê...
Saudações gaúchas
Blog do Professor Tim ou
timraimundo.blogspot.com