sexta-feira, 28 de outubro de 2011

OS LIMITES DA MAIORIA

por Antonio Escosteguy Castro
Mais de vinte anos de ditadura militar, onde ficamos ao arbítrio da vontade política do general de plantão, tornou comum que se afirme no Brasil a definição de Democracia como o regime onde se deve respeitar a vontade da maioria.
É evidente que este conceito não está errado, mas é Ouma definição incompleta e simplista. A Democracia também inclui o respeito aos direitos da minoria, o direito à diferença e ao devido processo legal. A maioria não pode tudo…
Fundamental revisitar estes conceitos ao examinar-se o recente episódio da cassação da Prefeita de Gravataí, Rita Sanco. Ancorados no vetusto Decreto-Lei 201/67, produto da mesma ditadura militar citada no início de nosso texto, (embora, é verdade, a maior parte da jurisprudência o considere recepcionado pela Constituição de 1988) setores da oposição de Gravataí “processaram e julgaram” a Prefeita e seu Vice e lhes cassaram os mandatos.
A crônica política da aldeia não só deu amplo destaque à “ vontade da maioria” como, insistindo no festival de simplificações ao cobrir os fatos, apontou o “caráter político “ da decisão, que a desgrudaria de algum maior cuidado jurídico.
Sejamos, pois, bem jurídicos: data máxima vênia, senhoras e senhores, não é assim.
O DL 201/67, para permitir a cassação de um prefeito, estabelece um processo bastante judicializado, ou seja, bastante semelhante a um processo judicial, que demanda não só a necessária comprovação dos fatos, como demanda, ainda, que desde a denúncia estes se constituam, em tese, em delitos com suficiente gravidade para que se revogue a vontade do povo consagrada na eleição. Entendemos, aliás, que os 10 incisos do art. 4º do Decreto são taxativos e não meramente exemplificativos.
A denúncia em Gravataí é um apanhado de “acusações” que não faria feio numa crônica do saudoso Stanislaw Ponte Preta, no seu famoso livro FEBEAPÁ (Festival de Besteiras que Assola o País). São apontados como delitos da Prefeita o exercício de prerrogativas do cargo, como “ encaminhar” ou “sancionar” projetos de lei. Como estes foram aprovados, em geral por unanimidade, pela mesma Câmara que está a cassar seu mandato, ela é acusada de “induzir” os nobres edis a aprová-los, como se aqueles fossem crianças indefesas. É apontada, ainda, a acusação de “mentir á população”, elevando a subjetividade do debate ao máximo.
Pouco interessou a comprovação ou não das acusações elencadas. A representante da OAB descaracterizou a nomeação irregular do Procurador Geral do Município. A repactuação da dívida com o Banrisul, aprovada também pela Câmara, demonstrou-se benéfica para a cidade (tanto que os novos mandatários a estão honrando). Mas nada disto importava. Os acusadores tinham a maioria suficiente para aprovar a cassação. E o fizeram.
A decisão de 10 vereadores de cassar a vontade dos quase 70 mil eleitores que sufragaram a Prefeita Rita Sanco (esta sim, uma expressiva maioria) não é “apenas política”. Deve estar escorada em acusações válidas, num processo escorreito e em provas inequívocas. Nada disso se deu em Gravataí. Cabe, agora, ao Poder Judiciário evitar que esta violência se perpetue. O precedente é inaceitável. Nossa Democracia precisa afirmar que a maioria tem, sim, limites.
(publicado no Sul21)

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